02 fevereiro, 2012

Memórias #44


Os meus avós paternos nasceram ambos no ano da implantação da república. Ele, antes, a 2/2. Ela, muito pouco depois, a 30/10. As datas não passam da memória mesmo que a hipotética idade ultrapasse o limite imaginado como possível. No dia em que o meu avô faria 102 anos reparo em expressões da língua portuguesa que, embora se entendam, já pouco ou nada se ouvem. Perderam-se no tempo com quem já cá não está para as dizer.

Tudo isto a propósito do último (na verdade, o segundo... tem pontuação, tal como o primeiro) livro de Saramago que agora leio. Sem o pretender, Claraboia acaba por ser um romance de época que descreve a convivência voluntária ou forçada de um grupo de vizinhos na Lisboa de 1953, onde pouco se podia dizer e muito se calava. Para além da diferença de costumes e de contexto político, saltam-me à vista expressões passadas que muitas vezes ouvi aos meus avós que hoje me vêm à memória.
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Vestia uma camisola de gola alta e vinha em cabelo. (p. 69)

Os colares estavam fora dos lugares, misturados com as pulseiras e os alfinetes de peito, e tudo isto a trouxe-mouxe com os brincos e os óculos escuros. (p, 60)

Apenas Maria Cláudia continuava acordada. Tinha sempre dificuldade em adormecer. Gostara da fita. No cinema... (p. 57)

Pronto! Não te assanhes... (p. 50)

Não faças caso, filha. Tu sabes que ela é que faz as compras. Mata a cabeça para o dinheiro chegar e o dinheiro não chega. Vocês ganham, trabalham, mas ela, coitada, é que se rala. Só eu é que sei. (p. 49)

Dava licença que o Henriquinho me fizesse um recado na mercearia? (...) Henriquinho deitou a correr rua fora como se o perseguissem cães. (p. 36)

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